Estar em uma floresta tropical teve o mesmo efeito em mim que em diversos naturalistas que despertaram para o grande mistério da natureza ao viajarem para os trópicos.
Estar em uma floresta tropical teve o mesmo efeito em mim que em diversos naturalistas que despertaram para o grande mistério da natureza ao viajarem para os trópicos. Como uma criança extremamente curiosa e que amava sentir a terra fria nos pés quentinhos, crescer rodeada de Mata Atlântica foi uma maravilha. Eu queria crescer e entender como aquilo tudo funcionava. Como os humanos estavam sempre destruindo coisas que nunca mais voltavam a ser como eram antes, mas no meio da floresta tudo parecia sempre intacto, embora sempre diferente? Em um dia aparecia um tronco no meio do riacho, no outro aparecia um ninho de inseto à margem deste riacho, depois essas coisas desapareciam e davam lugar a outras, mas nada parecia sair de um pleno e orquestrado funcionamento.
Eu senti que não poderia ser feliz na vida adulta, essa em que geralmente temos que trabalhar e pagar contas, se não pudesse passar as oito horas de trabalho neste mesmo ambiente - físico ou mental. Foi difícil entrar na faculdade, nunca fui uma aluna brilhante, mas na terceira ou quarta tentativa entrei em um mudo que era muito maior do que eu imaginava. Aprendi que não basta ser bióloga, há de escolher uma especialidade - mas como, se tudo me interessava? Escolhi a ecologia por ser a área que parecia conectar a maior parte das coisas. Eu poderia ser ecóloga e estudar a vida dos passarinhos, ou como eles interagem com as plantas, ou como as populações de microalgas flutuam ao longo do tempo… Seria como decifrar a partitura que guia um regente invisível só de ouvir o que a orquestra executa.
Esta motivação idílica só resultou em uma carreira acadêmica porque tive espaço em um laboratório extremamente criativo, com abertura para nos desenvolvermos como cientistas como se fôssemos artistas. Infelizmente conheço poucos laboratórios assim, e vejo muitos colegas terem suas asas podadas diariamente pelos diretores de pesquisa. E porque tive este espaço por alguns anos no começo do meu desenvolvimento acadêmico, aprendi a fugir de qualquer lugar que me impusesse barreiras. Isso torna um pouco mais difícil de encontrar um novo lugar quando o antigo já não pode te abrigar: tive que buscar outro laboratório para desenvolver meu doutorado porque as coisas que eu buscava já não eram oferecidas pela instituição em que estava.
Na nova instituição eu não tive a liberdade - quase poética - que tivera na instituição anterior, e me faltava algo muito importante para um cientista nesta fase: colaboração. Eu ansiava por fazer ciência de forma mais horizontal, aberta, coletivamente. Eu acreditava que a decentralização das ideias era algo muito importante, principalmente frente às mudanças sociais pelas quais estávamos passando, que eram potencializadas pela falta de transparência. Então encontrei pessoas que me ajudaram a realizar esta vontade, mas infelizmente tive que sair do meu país para encontrar um ambiente com esta cultura.
Hoje não moro mais em meio a uma floresta tropical. Mesmo assim esse tipo de ambiente guia minhas pesquisas - e minhas idas ao parque, quando tento entender o comportamento de uma ave que eu nunca havia visto antes, por exemplo. O que eu mais gostaria era de poder exercer todo o meu potencial no meu país de origem, ter o meu trabalho valorizado lá, e ter contato diário com as pessoas que entenderiam minha linguagem. Mas mais que isso, espero que o futuro da ecologia tropical exija menos resistência e resiliência que eu e meus colegas tivemos que ter até hoje.
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Higino (2021, June 9). Future Ecology: Gracielle. Retrieved from https://graciellehigino.github.io/about/2021-06-09-gracielle/
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@misc{higino2021gracielle, author = {Higino, Gracielle}, title = {Future Ecology: Gracielle}, url = {https://graciellehigino.github.io/about/2021-06-09-gracielle/}, year = {2021} }